“Tudo vai ficar bem no final. E se não estiver bem, não é o final" diz Kelly Baldwin (Cynthy Wu) no último episódio da segunda temporada citando John Lennon, uma das tantas figuras reais que permeia toda a narrativa da série. A história e o que ela constrói ao seu redor está bem colocada nas raízes de “For All Mankind”, série de Ronald D. Moore (criador da “Battlestar Galactica” dos anos 2000) para a Apple TV+, ao falar de uma espécie de realidade alternativa onde no auge da Guerra Fria os soviéticos conseguiram chegar na lua primeiro, fazendo com que os norte–americanos decidam enviar mulheres e minorias sociais para o espaço, já que a questão de igualdade sempre foi usada como estratégia pelos russos e também como propaganda.
“For All Mankind” reúne o melhor do trabalho de D. Moore: o gênero (aqui a série de corrida espacial e de ficção cientifica) existe para fazer apontamentos muito políticos ao se analisar a Guerra Fria sem maniqueísmo, sem cair em lugar comum de heróis ou vilões e enxergando na sociedade norte–americano e no “american way of life” vários símbolos de preconceitos, opressões sociais e mentiras. Assim como é em “Battlestar Galactica”, seus personagens vão muito além do que aparentam ser nos primeiros momentos: Ed (Joel Kinnaman), Karen (Shantel VanSanten), Gordo (Michael Dorman), Tracy (Sarah Jones), Ellen (Jodi Balfour), Danielle (Krys Marshall), Margo (Wrenn Schmidt), Molly (Sonya Walger), Aleida (Coral Peña) e todos os outros tem conflitos e dilemas dos mais humanos unindo vida profissional, familiar, amorosa e pessoal numa só. Isso fica claro por exemplo na excelente cena de briga no terceiro episódio da segunda temporada onde a família Baldwin briga intensamente e tanto Kinnaman quanto VanSanten brilham.
E esse brilho que dá oportunidade para que os atores e seus personagens revelem o seu melhor indo para um patamar tão imenso de interpretação acontece pela riqueza que vai sendo somada a eles a cada episódio numa perfeita sintonia entre direção e texto. Os personagens da série sempre estão em desenvolvimento, em mudança, em desconstrução, seus erros, acertos, tragédias e glórias se apresentam em todas as suas esferas de suas vidas de maneira sempre emocional entendo que a história se fortalece pelos laços e figuras humanas que ela pode ir elevando, destruindo ou ambos. Isso é muito claro por exemplo no crescimento de Gordo e Tracy – também magistralmente interpretados por Dorman e Jones – na segunda temporada.
E assim como também em “Battlestar Galactica” todo o cuidado estético bem detalhista nas cenas de filmagem no espaço, de ação ou no cotidiano de seus personagens (como quando o trabalho de câmera e de som traduz o estado mental de Gordo na segunda temporada ou nos meros detalhes de se filmar aquele cotidiano), a reconstituição de época, a trilha sonora e a montagem que acompanham tanto a efervescência histórica e a passagem do tempo servem para estabelecer uma ideia de imersão naqueles cotidiano que atravessam planetas. De uma história que não para e só vai ganhando contornos mais novos e mais complexos. Assim como os seus personagens, “For All Mankind” nunca vai para o caminho esperado, ela é mestre em tornar natural que as puxadas de tapete, as quebras de expectativas, subversões e viradas de trama soem como uma progressão natural e muito sutil dentro da realidade daquelas pessoas que vivem ao redor com a ideia do espaço. Já que pra Moore o sonho idílico de ir para o espaço e a realidade de viver na terra parecem não ser tão contrários, parecem ser na verdade partes de uma mesma coisa, de uma mesma triz que transforma tudo numa coisa só.